terça-feira, 23 de novembro de 2010

monólogo



minha tristeza não tem nome
mas se tivesse, a batizaria com o seu
confesso, é tudo nostalgia
passa como fumaça de cigarro
tiro incerto
ingratidão calada
puro teatro
vontade de pensar em você
quando não tenho mais nada pra pensar


Ellen F.



terça-feira, 2 de novembro de 2010

modo rua


Ele ouviu a vida inteira de todo mundo que seria apenas uma fase. Mas a fase cresceu, amadureceu, e ele fez a diferença!
Ser sempre o rebelde da família, o estranho do trampo, o genro indesejado e motivo de confusões a troco de nada eram detalhes normais para ele. Dudu se acostumou com os preconceitos desde que passou a se descobrir na ideologia punk. A paixão começou com uma galera nova, um galão de vinho e discos antigos, dentre eles The Clash, New York Dolls e Sex Pistols. Logo percebeu que haviam mais alguns como ele, diferentes do padrão.
Sua adolescência foi uma aberração à parte. Os primeiros visuais chocavam a todos e o colocavam em primeiro lugar no ranking das reuniões de família de Natal. Alargadores, moicanos de meio palmo, roupas rasgadas e cabelos de todas as cores devido à descolorações e tintas com materiais de origem suspeita. Colava com gente como ele, que não se importava em virar noites na rua e fazer malabarismos nas calçadas pra descolar a grana da birita.


Nos shows, só podia andar de grupo, pois as confusões eram muitas entre as galeras de outras vertentes. Dudu estava habituado a viver à margem da sociedade. Sua natureza era tranquila, mas o comum não lhe interessava. Curtia as bandas que poucos conheciam, frequentava locais vistos como "podres", lia obras de pensadores antigos, e vez ou outra se arriscava a discutir política. Não gostava da direita nem da esquerda. Achava que comunismo e socialismo eram apenas formas utópicas do ser humano pensar em comandar.
Seu pensamento libertário porém pé no chão lhe transformava numa espécie de anarquista moderno. Não julgava ninguém, tampouco se interessava em escutar críticas. Chegou ao ponto em que os preconceitos lhe entediavam ao extremo.

Não era respeitado nem desrespeitado como pessoa, mas mal visto de modo geral. Uma figura diferente, um estranho no ninho aonde quer que fosse, e toda a sua graça era essa. Vivia o modo rua com toda a intensidade. Via a família algumas vezes por semana para dormir numa cama quente e vez ou outra se divertir com a bronca ressentida dos pais. Só se envolvia com garotas punks, não por ter cabeça fechada, mas sim para manter sua busca de identidade própria. Sentia-se bem com pessoas como ele.
A verdade é que mesmo com o preconceito vindo dos outros, ele se divertia muito, seja pagando moshs nas rodas punks, se defendendo de brigas com grupos rivais ou pegando o metrô só pra chocar as pessoas. Não conseguia se imaginar de outra maneira, mesmo que muitos insistissem que esse 'lance punk' fosse apenas uma fase passageira.

Era um cara feliz. Se ele cresceu?
Sim, ele cresceu, se formou no ensino médio, conseguiu emprego de meio período e nas horas livres ensaiava na sua banda, na qual era baterista. Nunca precisou tirar um brinco para arrumar trabalho. Apesar do jeito aparentemente rude, era responsável e criativo. Com o tempo, conquistava espaço. Todos os finais de semana tinham shows marcados, até ficarem conhecidos como uma banda underground de respeito nos outros estados. Suas letras falavam exatamente do dia a dia na subcultura, da aversão das pessoas ao novo, ao diferente, ao subversivo. Escrevia verdadeiras poesias em forma de punk rock. Saiu de casa, começou a se virar sozinho, e aos poucos, a evoluir como ser humano sem perder sua verdadeira essência.


Então Dudu se viu com 30 anos, com uma barbicha safada que cultivou por mera preguiça, sentado em seu sofá de couro, no apartamento finalmente quitado, esperando a esposa terminar o jantar. Com orgulho, deu uma olhadinha da porta para o filhão, agora com 5 anos, dormindo feito anjo naquele quarto decorado com posteres dos Ramones e The Casualties. Sorriu feliz. Teve certeza de que a vida inteira soube ser ele mesmo, sem precisar forçar absolutamente nada, pois as coisas foram acontecendo. Grandes amigos sairam do movimento, mudaram de estado, ou simplesmente largaram o modo rua de viver. Ele não. Não era questão de ser melhor ou pior por isso, mas restava a sensação gostosa de que a busca por sua identidade não estava no fim. Ela estava mais viva do que nunca. Mas ele nunca precisou abrir mão dos sonhos. A banda ia bem, no trabalho estava estabilizado, seu casamento era uma maravilha.

Ligou o som baixinho para não acordar o filhote, encostou-se na janela, e de lá observou o caótico mundo de camelôs, trausentes, paradas de ônibus lotadas e cachorros com seus respectivos donos dominando as ruas. Lá entre os estudantes de cursinho, os casais apaixonados, os trabalhadores chegando cansados do serviço, lá longe, se aproximava um grupinho de quatro garotos esquisitos de cabelos esquisitos com baquetas, mochilas e sacolas com garrafas de cachaça, atravessando a rua. Dudu sorriu, como se estivesse revendo uma cena de quinze anos atrás. Sentiu-se feliz por haver diferença no mundo. Como seria chato se não houvesse oposição, se não houvesse gente careta, se não houvesse roqueiros, pagodeiros, clubbers e góticos por aí. Como era bom saber que ainda existiam os pequenos grupos, que não deixavam os estilos morrerem.
Apagou o cigarro sorrindo enquanto sua esposa o abraçava por trás. Sorriu satisfeito pois, apesar de tudo que viu, ouviu e sentiu na pele, era a prova viva de que a fase nunca passou!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

dose dupla

O amor é um golpe bem dado que às vezes erra feio seu alvo. Denise ficava, namorava e se envolvia com garotos de todo tipo desde seus 13 anos. Pela vida amorosa dela se passaram caras galinhas, certinhos, nerds, abobalhados e no pior dos casos, um vagabundo que cheirava thinner com a meia da sorte.
Até se apaixonou por eles, chorou por motivos fulos e pensou em se casar com o que durou mais tempo. Mas sentia que algo faltava. Algo sempre faltava.

Talvez tivesse alguma coisa estranha com ela, pois de todos seus romances, nunca nenhum foi bom o suficiente para fazê-la feliz do início ao fim. Era como se todos já possuíssem uma data de validade vencida antes do prazo. Denise se achava a criatura mais normal do mundo, confusa e indecisa assim como todas as outras garotas de 20 anos, até conhecer Aline  na faculdade. Faziam o mesmo curso. Aline era o melhor exemplo do estilo hiponga moderno. Cabelo na cintura, pouca maquiagem, sandália rasteira, olhar de menina e uma beleza inconfundível. Enquanto todas as outras garotas da faculdade pareciam mais competir entre si num concurso de moda imaginário do que necessariamente estudar, Aline fazia a diferença. As duas simpatizaram uma com a outra de primeira.

Não demorou para que Denise, envolvida na nova amizade que surgia com a doce hiponga, passasse a descobrir em si mesma uma novidade pela qual nunca havia se perguntado antes. Começaram a sair juntas, estudar juntas no tempo livre, tomar café na livraria e arriscar tardes de violão e MPB na casa uma da outra. Denise ficou diferente. Estava mais feliz, não se pegava perguntando a si mesma qual a razão de sua carência. Não sentia mais crises de solidão, nem vontade de sair pra caçar na balada, conhecer gatinhos ou derivados. Seu tempo, involuntariamente, passou a girar em torno de Aline. Quando saiam, não ficavam com ninguém. Só se olhavam, sorriam, bebiam, e a noite sempre terminava em um abraço apertado. Logo Denise descobriu o pequeno detalhe de que estava sentindo ciúmes da amiga. Logo Denise se flagrou pensando na amiga todas as noites antes de dormir. Logo Denise percebeu que só ia deitar após a ligação de "Boa Noite" com a amiga. Logo Denise parou de negar a si mesma o que já era óbvio demais.

As coisas passaram a desencadear mais rápido do que o imaginado. Em julho, noite de seu aniversário, comemorado em um pub no centro, Denise bebeu mais do que o planejado. Usava um vestido tubinho preto e uma maquiagem que borrou após as primeiras doses de tequila. Não tirava os olhos de Aline, e não conseguia disfarçar, ela estava deslumbrante com a saia cigana e a blusa tomara que caia azul bebê. Após a virada coletiva de copos, saiu da linha e se aproximou mais de si mesma do que pensou que fosse capaz.
Olhou para a amiga e se imaginou aos beijos com ela. Não se contentava em apenas beijos, sua vontade era de morder cada pedacinho dela. Esse súbito desejo, beirando a necessidade, a fez se aproximar sem pedir licença, e em questão de segundos, tascou um longo e esperado beijo em Aline. O resto da turma ficou sem reação, tudo aquilo depois de um humilde 'Parabéns pra você' era emoção demais para um grupo de estudantes de Engenharia.

Aline retribuiu o beijo com toda sua força. Era como se ambas estivessem esperando por aquele momento desde o dia em que se conheceram. Após o ato, se entreolharam com os rostos colados, um sorriso de felicidade mútuo. Pediram dose dupla de tequila. Ali começara uma história sem fim.

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Sobe e desce, oscilação de Gêmeos com ascendente em Gêmeos.

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