sábado, 7 de agosto de 2010

tudo que começa

Escovou os dentes com certa violência, se olhando no espelho. A cara de poucos amigos não negava, estava brava. Muito brava. Claro que estava atrasada, assim como toda segunda-feira. Vestia um pedaço de pano preto minúsculo que se atrevia a chamar de short, e um soutien vermelho surrado com cheiro de desodorante masculino que agora lhe nauseava de leve.
Desviou da bagunça de roupas caídas ao chão que mais lembrava um labirinto, entrou no box e tomou uma ducha em tempo recorde, enquanto Hugo se vestia apressado e desligava o som que pelo visto tocou Ramones a noite inteira.
- Amor, eu juro que botei o despertador pra tocar. -desculpou-se, sentindo o mau humor da companheira.
Ela permaneceu calada, apenas vestiu o jeans e a regata branca sem sequer olhar pro lado.
- Não tá dando certo isso de você ficar aqui todo dia, Hugo. Todo fim de semana é a mesma merda.
- Que isso gatinha, vai dizer que você pode ficar sem mim? -era uma tentativa de brincadeira para descontrair que definitivamente não deu certo.
- A única coisa que eu não posso perder é o meu emprego. -disse enfática, com um olhar gelado em direção ao namorado. - E o resto é resto, entendeu?
 
Aquela fora a última noite de Hugo no apê de Sú. E terminar com ele dessa forma não doeu nem um pouco. Na verdade não doeu nada, nadinha. Nem lembrou que ele existia durante todo o dia, até chegar ao prédio e vê-lo chorando na calçada à sua espera. O convidou pra subir, tomaram um café, riram um pouco, assistiram "Sexta feira 13", fizeram amor, e depois ela pediu que ele levasse suas roupas e não voltasse mais.
Estavam juntos havia seis meses, e há dois ele passava quase todos os dias dormindo lá, tempo suficiente pra saber que pessoas parecidas demais podem entrar em conflito. Hugo era fisicamente o cara dos sonhos de Sú. Os gostos musicais também eram os mesmos; Além do mais, ele era divertido e inteligente, mas demasiadamente inconsequente, do tipo que muda de emprego o tempo todo e sonha em se casar levando a noiva na garupa da moto pela estrada afora.

Ele era, apesar do visual "marginal", um cara romântico e bonzinho, e realmente apaixonado. Mas óbvio que ela já sabia que eles não tinham futuro algum juntos. Sú, mesmo com suas loucuras a parte, era uma jovem ambiciosa e calculista,
 aspirava por um super futuro, um ótimo emprego, conta bancária gorda, carreira de sucesso, enfim, do tipo que não abre mão de suas ambições por relacionamento nenhum. Não existia mais nada a se tirar de bom daquele namoro, eles já haviam vivido tudo que tinham pra viver, respiraram muito rápido o mesmo ar, não deixaram passar nada em vão. Fora tudo perfeito, até começar a ficar chato. Até cair na comodidade e não haver mais magia alguma em acordar ao lado dele. Após o pedido mais educado que pode dar com jeito de 'Cai fora agora', abriu a porta do apartamento com sensação de alívio.

Indiferente ao olhar perplexo do agora ex namorado, trancou a porta feliz da vida sentindo o gostinho de dever cumprido, ignorando o amor que no começo fora tão intenso e sincero, cheio de paixão e promessas eternas. Sú sabia muito bem o prazo de validade de suas relações. Pura sorte ou crueldade, chamem como quiser. Para ela, era uma questão prática e certa, tanto como 1 + 1 = 2, tudo que começa, um dia acaba. Apenas uma silenciosa lei do universo.

Naquela primeira noite sem Hugo, escutou "Vento no Litoral", de Legião Urbana (sua favorita desde a primeira decepção amorosa), mas não conseguiu chorar. Nem por Hugo nem por ninguém. Desligou o notebook, acendeu um cigarro e deixou o telefone tocar a noite inteira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem sou eu

Minha foto
Sobe e desce, oscilação de Gêmeos com ascendente em Gêmeos.

Arquivo /aultimadobar